sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Sabor da vida

por Dr. Leonardo Machado

Aos poucos minha vida foi perdendo o sabor.
O salmão ao molho de maracujá que eu tanto gostava de preparar para o meu esposo já não era mais temperado com o meu entusiasmo. Tudo parecia ser feito de modo maquinal. Sem vida. Sem gosto. Incrivelmente, eu não conseguia sentir mais prazer!
Quando dei por mim, estava na cama sem energia. As forças, antes robustas, não mais me visitavam. E comecei a perceber que os atrasos de meus filhos no colégio se tornaram frequentes – o que nunca acontecia - pois eu não conseguia me levantar no horário habitual. Era como se meu corpo todo fosse um chumbo.
A situação foi se agravando e, desesperado, meu marido me levou a um médico psiquiatra, pois algo de muito errado deveria estar acontecendo comigo.
Provavelmente, em meu estado normal, eu teria relutado – é claro! Mas naqueles dias me faltaram até forças para isto.
Logo o médico percebeu a minha fisionomia sem vida, sem expressão. Perguntou-me se eu estava chorando mais do que o habitual. Foi quando me dei conta que nem chorar eu conseguia – talvez as lágrimas também não tivessem força para sair!
E, depois de uma longa consulta, o veredicto – eu estava com depressão. Nunca me imaginei passando por aquilo. Mas, de fato, deveria ser isto.
Me submeti ao tratamento médico. E, assim que constatei que a vontade voltou, resolvi iniciar uma psicoterapia.
O que me levara a ficar daquele jeito? Qual era o motivo de eu ter deprimido?
Honestamente, esperava que esta resposta pudesse ser dada pelo meu psiquiatra. Surpreendi-me, no entanto, quando ele, ao invés disto, me questionou:
-       O quê você aprendeu com a depressão?
Pareceu-me uma pergunta estúpida! O que eu poderia aprender naquele estado em que fiquei ou com aquela situação?
Não consegui, portanto, respondê-lo. E, sinceramente, quase que não volto para o consultório dele.
No entanto, aquela pergunta martelou na minha cabeça por dias. E, sem me dar conta, passei a refletir na minha própria vida. Nunca mais queria não conseguir sentir prazer! Nunca mais queria não ter forças!
Comecei a me dar conta, então, que, chegando naquilo que eu considerava ser o fundo do poço, me esforçaria para não voltar para lá.
Voltei, então, para o médico. Não desmarquei a consulta. E logo de início lhe disse:
-  Confesso ter desejado que o senhor me dissesse tudo tão facilmente como me prescreveu o medicamento.
-  Na vida, há perguntas que são difíceis de serem respondidas. Parece-me que a depressão não é daquelas doenças uni-causais. Apesar disto, ao invés de te tornares uma cientista da tua própria vida, podes amadurecer com esta experiência e ampliar a visão.
-  E foi exatamente isto que eu percebi ter acontecido comigo...
Talvez eu não consiga captar todos os motivos que me fizeram deprimir. Certo, porém, é que eu sai transformada. Melhor, eu resolvi me transformar!
 Os maracujás? Deixei-os mais saborosos. E, ao invés de só servir meu amado, passamos a nos sentar lado a lado e conversar largamente nos almoços apertados do dia a dia. Eu comecei a comer, igualmente, o salmão – é claro! E, muitas vezes, a compartilhar o melhor pedaço com ele – por que não?!
Meus filhos? Passei a me preocupar não só com os horários. Percebi que o caminho da nossa casa até a escola era longo demais para desperdiça-lo com gritos do estresse. E naqueles minutos foram construídos momentos de amor e de interação.

            E, aos poucos, minha vida foi retemperando o sabor.

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